sexta-feira, 17 de março de 2017

O VAGABUNDO DE MONTPARNASSE


O VAGABUNDO DE MONTPARNASSE (1958)

Amedeo Clemente Modigliani (Livorno, 12 de julho de 1884 — Paris, 24 de janeiro de 1920), italiano por nascimento, de origem judaica, foi um dos mais impressionantes talentos artísticos do início do século XX, uma época muito dada a vanguardas e onde abundaram os escritores, poetas, pintores, músicos, cineastas e todo o género de criadores que transformaram este período num dos mais fecundos da história do mundo. Este domínio obviamente romântico, fértil em suicídios e mortes muito jovens, com artistas “malditos” entregues ao álcool e ao absinto, às drogas  e à boémia, aos grandes amores, correspondidos ou não, mas sempre embriagantes, ao corte radical com os valores da burguesia instalada, aos grandes gestos de ruptura com o capital e o poder instituído, este foi o universo de modernistas e futuristas, surrealistas e expressionistas, cubistas e fauvistas, de construtivistas e revolucionários… todos em busca de utopias e sonhos, enquanto viviam em espeluncas de bairros populares de grandes metrópoles, ou se exilavam em paraísos exóticos.
Modigliani foi um solitário em Paris, para onde se mudou em 1906, depois de estudas pintura em Roma, Veneza e Florença. Doente e enfraquecido desde miúdo, enfrentou pleurisia, tifo e tuberculose, nunca recuperando totalmente dessas maleitas, nem de uma certa dependência materna, que o acompanhou ao longo da vida. O desregulamento da sua existência não o impediu de criar uma fabulosa galeria de obras, com predominância de retratos e nus femininos, retratos de amigos e uma ou outra paisagem, que na época não só não foram devidamente valorizadas pelo público em geral como, num caso ou noutro, foram perseguidas pelas autoridades. Basta relembrar a abertura da sua primeira exposição individual, em 1917, na Gallerie Berthe Weill, que seria encerrada no dia da inauguração por causa de um nu exposto na vitrine.


Conheceu e lidou com muitos artistas do seu tempo que se reuniam em Paris, mas contou com raros amigos. Um deles foi o poeta polaco Leopold Zborowski, que não se cansava de o incentivar. Apaixonado pela mulher, teve nalgumas delas apoio precioso. Caso da escritora inglesa e crítica de arte Beatrice Hastings, da galerista Anna Zborowsky, mas sobretudo da mulher que ele mais amou e que o acompanhou até à morte, a igualmente pintora Jeanne Hébuterne, oriunda de uma família convencional e abastada, que trocou tudo para acompanhar Modigliani, e que se haveria de suicidar, lançando-se do quinto andar de um edifício, grávida de nove meses, no dia a seguir à morte do seu companheiro.
Modigliani morre durante a noite de 24 de Janeiro de 1920, aos 35 anos, vítima de tuberculose, sendo sepultado no Cemitério do Père-Lachaise, em Paris. Pouco depois de ter desaparecido fisicamente da face da terra, os seus trabalhos adquiriram um valor incalculável, sendo presentemente das obras mais valiosas a transacionar em leilões de arte. Parece que um, ou vários, comerciantes de arte terão lucrado largamente com o funesto desenlace do artista.
Foram aspectos da vida deste pintor que deram origem ao filme “O Vagabundo de Montparnasse” (no original “Les Amants de Montparnasse” ou “Montparnasse 19”), que Jacques Becker dirigiu. Mas o projecto inicial não era seu, mas de Max Ophüls, que antes de iniciar a rodagem faleceu, e que iria contar com o casal Yves Montand e Simone Signoret, nos papéis de Modigliani e Jeanne Hébuterne. Becker surgiu então como alternativa, mas o argumento inicial de Henri Jeanson foi muito alterado, acabando mesmo por não surgir no genérico (aparece somente Jacques Becker, segundo romance de Michel-Georges Michel, "Les Montparnos"), e Gerard Philipe e Anouk Aimée foram os actores finalmente escolhidos. De Ophüls temos uma dedicatória inicial.
Jacques Becker (1906 – 1960) é um dos mais interessantes cineastas franceses anteriores à eclosão da Nouvelle Vague. Desde inícios da década de 40, assinou obras que figuram por direito próprio entre as mais importantes deste período, como “Goupi mains rouges”(1943), “Noivado Sangrento” (1945), “O Tonio e a Toninhas” (1947), “Eduardo e Carolina” (1951), “Aquela Loira” (1952), “O Último Golpe” (1954), este “O Vagabundo de Montparnasse” (1958) e “O Buraco” (1960). “Aquela Loira” “O Último Golpe” e “O Buraco” são unanimemente consideradas obras-primas. “O Vagabundo de Montparnasse”, talvez por não ser um projecto seu de início, não será dos seus títulos mais conseguidos, ainda que ofereça bastantes motivos para ser admirado. O seu estilo está bem patente,  a forma de tratar a mulher igualmente, a direcção de actores é bastante boa, com destaque para Gérard Philipe, um dos mais sensíveis e admiráveis actores desta altura, infelizmente hoje em dia pouco conhecido, porque raramente são vistas obras por si interpretadas. Mas não só Gérard Philipe merece destacado relevo, Anouk Aimée, como Jeanne Hébuterne,  Lilli Palmer, no papel de Beatrice Hastings e Lino Ventura, compondo a figura do manipulador Morel, são outras tantas composições muito interessantes. 
Onde o filme se nos afigura mais discutível é no retrato algo convencional do artista boémio, viciado em álcool e bebidas, apaixonado pelas mulheres, que se isola de tudo e todos para preservar a pureza da sua arte, que não aceita compromissos, que invectiva milionários e comerciantes e que, no final, acaba vítima de um quase suicídio por não se integrar de forma nenhuma na sociedade do seu tempo. Acontece que este retrato é o mais convencional que se possa imaginar, por muito real que tenha sido por essa altura a sorte de muitos artistas com idêntica predestinação. Mas Becker surge-nos muito previsível, de um melodramatismo por vezes exagerado, quando se lhe exigia um outro rigor e uma maior distanciação. Há momentos de um maniqueísmo evidente (a visita de Modigliani a um casal de milionários americanos é um deles), se bem que a descrição da época, os ambientes soturnos e a paixão que se sente entre Modi e Jeanne sejam aspectos a sublinhar pela positiva. Mas parece-nos francamente que a composição de Gérard Philipe merece bem uma revisitação, ou uma descoberta.  



O VAGABUNDO DE MONTPARNASSE
Título original: Les amants de Montparnasse ou Montparnasse 19
Realização: Jacques Becker (França, Itália, 1958); Argumento: Jacques Becker, segundo romance de Michel-Georges Michel ("Les Montparnos"); Produção: Sandro Pallavicini, Henry Deutschmeister; Música: Paul Misraki; Fotografia (p/b): Christian Matras; Montagem: Marguerite Renoir; Design de produção: Jean d'Eaubonne; Guarda-roupa: Georges Annenkov, Jacques Heim; Maquilhagem: Yvonne Fortuna, Denise Lemoigne; Direcção de Produção: Ralph Baum, André Hoss; Assistentes de realização: Jean Becker; Serge Witta; Departamento de arte: Robert Christidès; Som: Pierre-Louis Calvet; Companhias de produção: Franco London Films, Astra Cinematografica, Sandro Pallavicini; Intérpretes: Gérard Philipe (Amedeo Modigliani), Lilli Palmer (Beatrice Hastings), Lea Padovani (Rosalie), Gérard Séty (Léopold Zborowsky), Lino Ventura (Morel), Anouk Aimée (Jeanne Hébuterne), Lila Kedrova (Anna Zborowsky), Arlette Poirier (Lulu), Pâquerette (Madame Salomon), Marianne  (Berthe Weil), Judith Magre, Denise Vernac, Robert Ripa, Jean Lanier, Carole Sands, Jany Clair, Antoine Tudal, Bruno Balp, Jacques Ferrière, Monique Ardoin, Francis Aubert, Stéphane Audran (uma rapariga no terraço), René Berthier, Yori Bertin, Pierre Durou, Frank Edwards, Émile  Genevois, Harry-Max, François Joux, Robert Lepers, Julien Maffre, Jacques Marin, Daniel Mendaille, Paul Mercey, Germaine Michel, François Perrot, Pierre Richard (um estudante de pintura), Véronique Silver, etc. Duração: 108 minutos; Distribuição em Portugal: ZON Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 23 de Janeiro de 1959.

GÉRARD PHILIPE 
(1922 – 1959)
Gérard Philipe nasceu em Cannes, a 4 de Dezembro de 1922, e viria a falecer em Paris, a 25 de Novembro de 1959. Tinha 37 anos e uma carreira absolutamente brilhante, tanto no teatro como no cinema franceses. Foi seguramente dos nomes mais prestigiados do universo do espectáculo europeu durante as décadas de 40 e 50, deixando o seu nome ligado a obras que para sempre celebrarão o seu incomensurável talento e a beleza e elegância do seu perfil.  
Estudou no Conservatório de Arte Dramática, em Paris. Aos 19 anos, estreou-se como ator de teatro em Nice e, no ano seguinte, a sua interpretação na peça “Calígula”, de Albert Camus, leva-o a ser convidado a integrar o elenco do Théâtre National Populaire em Paris e Avinhão, cujo festival, fundado em 1947 por Jean Vilar, é o mais famoso e antigo do país. Sob a direcção de Vilar, teve atuações inesquecíveis interpretando, entre outros, "O Cid", de Corneille, "O Príncipe de Hamburgo", de Kleist, "Lorenzaccio", de Musset, "Ricardo II", de Shakespeare e "Ruy Blas", de Victor Hugo.
No cinema, Gérard Philipe estreia-se em 1943, em “Les Petites du Quai aux Fleurs”, de Marc Allégret. Continuou a carreira em pequenos papéis, até atingir o estrelato com “Le Diable au corps” (1947), de Claude Autant-Lara. Prinicipais filmes: 1947: Le Diable au corps, de Claude Autant-Lara; La Chartreuse de Parme, de Christian-Jaque; 1949: La Beauté du diable, de René Clair; 1950: Juliette ou la Clé des songes, de Marcel Carné; La Ronde, de Max Ophüls; 1951: Fanfan la Tulipe, de Christian-Jaque; 1952: Les Belles de nuit, de René Clair; 1953: Les Orgueilleux, de Yves Allégret; Monsieur Ripois, de René Clément; Si Versailles m'était conté..., de Sacha Guitry; 1954: Le Rouge et le Noir, de Claude Autant-Lara; 1955: Les Grandes Manœuvres, de René Clair; Si Paris nous était conté de Sacha Guitry; 1956: Les Aventures de Till l’Espiègle, de Gérard Philipe et Joris Ivens; 1957: Montparnasse 19 de Jacques Becker; Pot-Bouille, de Julien Duvivier; 1958: Le Joueur, de Claude Autant-Lara; 1959: Les Liaisons dangereuses, 1960 de Roger Vadim; 1959: La fièvre monte à El Pao, de Luis Buñuel.
Senhor de uma magnífica voz, utilizou-a para registrar textos de Marx, Villon, Rimbaud ("Le Bateau ivre"), Éluard ("Liberté") e "O Pequeno Príncipe", de Saint-Exupéry. Em 1951, Gérard Philipe casou-se com a actriz Nicole Fourcade (1917–1990), com quem teve dois filhos.

Reconhecido pelo seu talento, desapareceu, vítima de cancro no fígado, quando atravessava o melhor período da sua carreira. Os seus restos mortais repousam no cemitério de Ramatuelle, junto à costa do Mar Mediterrâneo.

2 comentários:

  1. Muito boa noite,
    Os filmes não apresentam a data da exibição ( o de terça feira passada indicava um domingo de Janeiro).
    O endereço do blog ainda apresenta oactror em vez de oactor.

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    1. Cara Rosa Pinheiro de Abreu,
      No início deste blogue está toda a programação com datas certas de exibição. As datas que aparecem nos textos são as datas em que os posts são colocados. Quanto ao endereço do blogue vai continuar assim. Era o único livre. Não é erro. è uma forma de conseguir um endereço. Obrigado pelo cuidado.

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