SHANE (1953)
Shane é
o nome. Veio de longe e parte para longe. Não se sabe de onde veio. Não se sabe
para onde irá. É uma daquelas personagens míticas de que se fazem muitas obras
de arte, seja no cinema ou não. É obviamente o protagonista de um western,
território de mitos por excelência. É um
herói de que se desconhece o passado, mas que se pode supor. É um herói que
vamos encontrar no Oeste bravio norte-americano, numa terra em profundas
transformações. Num vale do Wyoming existe um grande latifundiário, criador de
gado, para quem toda a terra é sua e na qual apascentam as suas rezes. Existem
pequenos agricultores que se instalam, delimitam território e querem fazer ali
a sua casa.
O filme
parte de um romance de Jack Schaefer, não será baseado estritamente em factos
concretos, mas assenta realmente em acontecimentos históricos. Aquando da
“conquista do Oeste”, na segunda metade do século XIX, o governo dos EUA criou
o “Homestead Acts”, uma lei que permitia a americanos e emigrantes, maiores de
18 anos, que nunca “tivessem levantado armas conta os EUA”, instalarem-se em
determinadas terras públicas e aí criarem raízes.
Acontece
que, anteriormente, outros exploradores se teriam instalado já nessas terras,
onde os seus gados corriam livremente, e pretendiam que esse facto fosse
bastante para as considerarem suas. Diz a História que mais de 270 milhões de
acres de terra pública foram distribuídos por cerca de 1.6 milhões de
“homesteaders”, precisamente esses “proprietários rurais”. Os barões da terra
não gostaram de ver invadidas as (consideradas) suas propriedades e rapidamente
os conflitos brotaram com violência tal que a este período, em redor de 1892,
se deu o nome de “Johnson County War”.
Existia
igualmente um preconceito que considerava menor a criação de outro gado que não
fossem vacas e cavalos. Por isso esses novos agricultores eram insultados e
chamados de "pig farmers," "sod busters,"
"squatters" (criadores de porcos, destruidores de terras, invasores)
e outros epítetos ainda menos gentis. “Shane” aborda precisamente esta época e
este conflito, partindo de um caso concreto, uma família, um terreno, uma casa,
local por onde passa Shane, vindo do horizonte, tendo as montanhas Grand Teton
como pano de fundo. Aliás as filmagens ocorreram no Jackson Hole, no Wyoming,
nas referidas montanhas e ainda no Big Bear Lake, na Floresta Nacional de San
Bernardino, no Rancho Iverson e em Chatsworth. Tudo quanto foi rodado em
estúdio aconteceu nos estúdios da Paramount em Hollywood, na Califórnia.
Os
historiadores contam que o realizador e produtor George Stevens pretendia
inicialmente Montgomery Clift para o papel de Shane e William Holden para o de
Joe Starrett. Ambos recusaram e acabariam os mesmos por ser confiados a Alan
Ladd e Van Heflin, indicados pela Paramount. Para interpretar o papel de Marian
também tinha sido pensada inicialmente Katharine Hepburn, mas Jean Arthur
acabaria por ser a escolhida, ela que fora uma actriz muito conceituada nas
décadas de 30 e 40, mas que há cinco anos não interpretava um filme. “Shane”
seria mesmo o seu último trabalho no cinema.
Voltemos
ao desconhecido que vem lá do fundo do horizonte e para quem o pequeno Joey
chama a atenção do pai. “Deixa-o vir”, responde Starret. Esta cena inicial
confere desde logo um tom muito especial ao filme. Com poucas palavras
percebe-se da solidão em que se vive, da vigilância quanto a quem vem lá,
interroga-se a paisagem, firmam-se os laços familiares, descobre-se a aspereza
do dia a dia… Mais tarde, entraremos em contacto com mãe da família, que se
descobre através de uma janela, espreitando, e aí também se começará a notar a
importância dramática de portas e janelas neste universo de fazendeiros que
vivem assediados por latifundiários que vivem ainda numa idade onde a força das
armas impõe a justiça. Onde era a justiça. E quando as armas locais não
chegavam, ou não se queria sujar as mãos, mandava-se vir de longe um pistoleiro
afamado, como Jack Wilson (uma magnífica composição de Jack Palance, a
relembrar um pouco um dos irmãos Dalton, mas em sério).
Shane
parece conhecer bem Jack Wilson (o reconhecimento é comum), pelo que se pode
supor que ambos já se tinham cruzado anteriormente (ou se cruzara a lenda dos
dois). Shane dir-se-ia que vinha em busca de paz e do aconchego de uma família
de acolhimento, tanto mais que Marian Starret se mostra igualmente hospitaleira
e o jovem Joey adopta o desconhecido. Mas a paz é sol de pouca duração, Ryker
arregimenta as suas tropas contra os intrusos, e seja o que Deus quiser… Ou o
que Shane achar por bem.
Os
westerns são terra para muitos conflitos e descrevem o nascimento de uma nação
como poucos outros filmes. “Shane” é um clássico, com todos os condimentos para
ser eterno: uma bela história, cheia de prolongamentos sociológicos,
históricos, humanos, com cenários esplendorosos, uma fotografia admirável, a
que as versões blu ray restituem toda a grandeza, uma belíssima banda sonora,
com temas que ficaram célebres, da inspiração de Victor Young, e actores
magníficos, Alan Ladd, obviamente, inesquecível nesta figura, Jean Arthu, Van
Heflin, o pequeno Brandon De Wilde, Jack Palance ou Emile Meyer. “Shane” figura
em todas as listas dos melhores westerns de sempre, mas aparecia igualmente em
69º lugar na lista de 1997 dos 100 melhores da AFI, tendo subido para a 45º
posição, na revisão de 2007. George
Stevens continua um mestre. Iniciou-se como realizador no início da década de
30, passou pelo musical, “Ritmo Louco”, com Astaire e Rogers, experimentou um
pouco de cada género, mas nos anos 40 e 50 foi um dos reis de Hollywood, com
obras como “O Assunto do Dia”, “O Seu Grande Mistério”, “Um Lugar ao Sol”,
“Renúncia”, “Shane”, “O Gigante” ou “O Diário de Anne Frank”. Um dos últimos
filmes foi “A Maior História de Todos os Tempos”. Morreu em 1975.
“Shane”
mereceu indicação para vários Oscar, desde o de Melhor Filme, Melhor
Realizador, Melhor Argumento (A.B. Guthrie Jr.), e ainda uma dupla nomeação
para Melhor Actor Secundário (Brandon De Wilde e Jack Palance), Venceu o Oscar
de Melhor Fotografia para o director Loyal Griggs. Foram variadíssimos os
outros prémios e galardões. Clint Eastwood dirigiu uma espécie de remake de
“Shane”, chamado “Pale Rider” (Justiceiro Solitário).
SHANE
Título original: Shane
Título original: Shane
Realização: George Stevens (EUA, 1953);
Argumento: A.B. Guthrie Jr., Jack Sher, segundo romance de Jack Schaefer;
Produção: Ivan Moffat, George Stevens;
Música: Victor Young; Fotografia (cor): Loyal Griggs; Montagem: William Hornbeck, Tom McAdoo; Direcção artística: Hal Pereira, Walter H.
Tyler; Decoração: Emile Kuri;
Guarda-roupa: Edith Head;
Maquilhagem: Wally Westmore; Assistentes de realização: John R. Coonan;
Som: Gene Garvin, Harry Lindgren; Efeitos visuais: Farciot Edouart, Gordon
Jennings; Companhia de produção: A Paramount Picture; Intérpretes: Alan Ladd (Shane), Jean Arthur (Marian Starrett), Van
Heflin (Joe Starrett), Brandon De (Joey
Starrett), Jack Palance (Jack Wilson), Ben Johnson (Chris Calloway), Edgar
Buchanan (Fred Lewis), Emile Meyer (Rufus Ryker), Elisha Cook Jr. (Stonewall Torrey), Douglas (Axel 'Swede' Shipstead), John Dierkes
(Morgan Ryker), Ellen Corby (Mrs. Liz Torrey), Paul McVey (Sam Grafton),
John (Will Atkey), Edith Evanson,
Leonard Strong, Ray Spiker, Janice Carroll, Martin Mason, Helen Brown, Nancy
Kulp, Ewing Miles Brown, Bill Cartledge, William Dyer Jr., Chick Hannan, Alana
Ladd, David Ladd, George J. Lewis, Rex Moore, Howard Negley, Charles Quirk,
Steve Raines, William Simonds, Kathy Stainbrook, Jack Sterling, George Stevens
(voz), Jo Ann Thompson, Beverly Washburn,
Henry Wills, David Wyatt, etc. Duração: 118 minutos; Distribuição em
Portugal (Blu-ray): Pramount, Madrid; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de
estreia em Portugal: 1 de Janeiro de 1954.
ALAN
LADD (1913 – 1964)
Alan
Walbridge Ladd, mais conhecido só por Alan Ladd, nasceu a 3 de Setembro de
1913, em Hot Springs, Arkansas, EUA, e viria a falecer a 29 de janeiro de 1964,
com 50 anos, em Palm Springs, Califórnia, EUA. Depois da morte do pai, a mãe
mudou-se para Oklahoma City, e depois para North Hollywood, Califórnia.
Trabalhou como carpinteiro (com o padrasto) para os estúdios e estudou na
escola de actores da Universal Pictures. Como era loiro e baixo, a Universal
não o cotratou. Mas a sua voz deu-lhe uma carreira na rádio, aparecendo depois
nalguns pequenos papéis de figurante (aparece em “Citizen Kane”, por exemplo).
Entretanto, casara com Midge Harrold e tivera um filho, Alan Ladd, Jr., o
padrasto morrera e a mãe, vítima de depressão, cometera suicídio. Em 1942, Alan
Ladd casa pela segunda vez, agora com a sua agente, a actriz Sue Carol. Foi
nesse momento que Carol lhe conseguiu um grande papel, em “This Gun for Hire”
(1942), onde trabalhava ao lado de Veronica Lake, uma atriz baixinha como ele
(1,57m) e que seria seu par em várias obras. Rapidamente se tornou um actor
célebre e um dos mais populares da Paramount Pictures. Interrompeu a carreira
para o serviço militar na Força Aérea, mas a popularidade não desceu. “The Blue
Dahlia", segundo um romance de
Raymond Chandler, é outro sucesso. Em 1953, Ladd interpretaria um dos mais
famosos papéis do cinema, o do pistoleiro, em “Shane”. Depois deste auge, a sua
carreira declinou, com problemas de alcoolismo e de saúde. Em 1963, iria
surgir, já como actor secundário, em “The Carpetbaggers”, seu derradeiro filme.
Alan Ladd morreu em Palm Springs, Califórnia, em 1964, vítima de uma overdose de
álcool e calmantes, com 50 anos. Foi enterrado em Forest Lawn Memorial Park,
Glendale, Califórnia. Deixou uma grande herança e uma família de pessoas
ligadas ao cinema: o filho, Alan Ladd, Jr., é um executivo de cinema e fundou a
The Ladd Company; a filha Alana é casada com Michael Jackson, um veterano nome
da rádio. Outro filho, David Ladd, é actor e ainda chegou a contracenar com o
pai, em “The Proud Rebel”. É casado com a actriz Cheryl Ladd. A actriz Jordan
Ladd é neta de Alan Ladd.
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