sexta-feira, 17 de março de 2017

A LESTE DO PARAISO


A LESTE DO PARAÍSO (1995)

A família e a figura tutelar do pai são dois dos temas mais recorrentes na filmografia (e em toda a obra, escrita e teatral também) de Elia Kazan. “A Leste do Paraíso”, conjuntamente com “Esplendor na Relva”, “América, América” ou “O Compromisso”, é um dos filmes mais sinceros e sentidos como retrato da célula familiar e sobretudo das relações de amor e raiva que se podem estabelecer entre filhos e pais. O próprio Elia Kazan confessa que as suas relações com o seu pai foram conflituosas: o pai era um grego tradicionalista e autoritário, Kazan um jovem rebelde que sonhava com a liberdade, mas que procurava conciliar o amor ao pai com essa necessidade de revolta e de imposição de uma vontade própria.
Segundo um romance de John Steinbeck, “A Leste do Paraíso” é um dos títulos que mais contribuíram para a glória de James Dean e para a consolidação do mito do rebelde. Elia Kazan esmera-se na direcção de actores, utilizando todo o arsenal de elementos fornecidos pelo Actor's Studio, tendo em James Dean uma massa fácil de moldar. O realizador afirma inclusive que ao actor bastou ser ele mesmo, com os seus traumas e obsessões para conseguir um trabalho notável e impor uma personagem inesquecível, na fragilidade e ambiguidade do seu comportamento. A forma como Dean utiliza subtilmente o corpo para sublinhar emoções e estados de espírito, é impressionante. O princípio de que a câmara de filmar deve penetrar no interior dos actores através dos olhos para revelar o seu íntimo mais secreto é aqui exemplarmente confirmado. Os olhos magoados e furtivos de Dean são uma doce fogueira de sentimentos contraditórios, que vão do amor mais intenso à piedade mais sofrida, passando pela raiva e a violência.
“East of End” decorre em Salinas Valley, no estado da Califórnia, no ano de1917, e fala-nos essencialmente da vida de uma família de agricultores, centrando-a, no fundamental, em Cal (James Dean), um dos filhos de Adam Trask (Raymond Massey). O outro é Aron (Richard Davalos), a quem o pai dedica mais atenção e com quem mantém uma relação muito mais próxima. A relação entre Cal e Aron remete para uma outra, muito mais antiga e mitificada pelos tempos: “Caim matou Abel e foi viver para Leste: a leste do Paraíso”.
Será numa evidente toada de alusões bíblicas que Kazan desenvolve a sua obra, atenta aos contornos psicológicos das personagens e ao seu devido enquadramento social e histórico. Estamos em 1917, a América prepara-se para entrar na I Guerra Mundial, o clima é de instabilidade e insegurança. Quando Adam Trash perde toda a sua riqueza num negócio de congelamento de vegetais, Cal procura remediar o mal, criando feijões, cujo preço sobe em flecha depois dos EUA entrarem no conflito. Mas Adam é um puritano empedernido, rege-se por uma conduta moral obsoleta, não compreende os motivos dos outros, sobretudo de Cal, que ele identifica com o Mal e o Pecado, herdados da mãe desaparecida. Cal é o protótipo do protagonista de actos falhados: cada nova tentativa de aproximação do pai é um fracasso, cada gesto de amor e devoção, uma tragédia, o que o leva a gritar: “Não quero mais amor de espécie nenhuma, o amor não dá futuro.”


Vivendo com o pai e o irmão, julgando a mãe morta, Cal descobre, no entanto, que ela vive ainda, surpreendendo-a à frente de um bordel em Monterey. Esta descoberta é uma revelação e igualmente uma confirmação: ele é a personificação do Mal, tal como o fora a mãe, Kate (Jo Van Fleet), que rompera o casamento na procura da liberdade pessoal, sentindo-se asfixiar pelo rigor puritano do marido e a vida isolada do campo. Para fugir de casa tivera mesmo que alvejar o marido. Hoje vive abastadamente na melhor “casa” de Monterey, adormecida em álcool e recusando de início ver os filhos. Mas o seu olhar magoado recorda dores antigas, o que não a impede de orgulhosamente afirmar que “entra na sua “casa” pela porta da frente, enquanto os seus influentes clientes o fazem “clandestinamente pela porta das traseiras”.
Para o melodrama ser ainda mais intenso e o clima emocional de cortar à faca, Aron namora com Abra (Julie Harris), mas desde o início se pressente que esta ama e deseja Cal, não assumindo esse amor por medo. Cal representa a liberdade, Aron o conformismo, Abra verga-se à vontade deste último por comodismo, mas anseia por uma gesto de Cal. Que acontece, durante uma noite numa feira, no alto de uma Roda que precipita o destino. O ciúme adormecido e a rivalidade mantida em segredo explodem. Caim e Abel em luta. Cal obriga o irmão a confrontar-se com a mãe, acabando este por fugir do Paraíso e ir oferecer-se como voluntário para a guerra, rompendo com a namorada, que é a única pessoa capaz de compreender e aceitar Cal conforme este é. “É tremendo não ser amado. Torna as pessoas mesquinhas, horríveis, más.”
Um filme dramático e vigoroso, excelentemente dirigido e interpretado por um grande conjunto de actores, encabeçados por James Dean, mas onde é ainda de justiça referir Jo Van Fleet, Raymond Massey, Julie Harris e Burl Ives (Sam, o Sheriff). Excelente partitura musical de Leonard Rosenman.


A LESTE DO PARAISO
Título original: East of Eden
Realização: Elia Kazan (EUA, 1955); Argumento: Paul Osborn, John Steinbeck, segundo romance deste último; Produção: Elia Kazan; Música: Leonard Rosenman; Fotografia (cor): Ted D. McCord; Montagem: Owen Marks; Direcção artística: James Basevi, Malcolm C. Bert; Decoração: George James Hopkins; Guarda- roupa: Anna Hill Johnstone; Maquilhagem: Gordon Bau; Asistentes de realização: Don Alvarado, Horace Hough; Som: Stanley Jones; Companhia de produção: Warner Bros.; Intérpretes: James Dean (Cal Trask), Julie Harris (Abra), Raymond Massey (Adam Trask), Burl Ives (Sam, o Sheriff), Richard Davalos (Aron Trask), Jo Van Fleet (Kate), Albert Dekker (Will Hamilton), Lois Smith (Anne), Harold Gordon (Gustav Albrecht), Nick Dennis (Rantani), Abdullah Abbas, Rose Allen, José Arias, Barbara Baxley, Joe Brooks, Timothy Carey, Jack Carr, Wheaton Chambers, Lonny Chapman, Edward Clark, Harry Cording, Roger Creed, Ray Dawe, Anna Dewey, Lester Dorr, Darren Dublin, Franklyn Farnum, Al Ferguson, Cliff Fields, Richard Garrick, John George, Leonard George, John Halloran, Jonathan Haze, Ramsay Hill, Earle Hodgins, Charles Anthony Hughes, Carolyn Jones, Effie Laird, Frank Mazzola, Edward McNally, Ken Miller, Tex Mooney, Paul Nichols, William 'Bill' Phillips, Rose Plummer, Pat Priest, Julian Rivero, Mickey Roth, Loretta Rush, Mario Siletti, Hal Taggart, Bette Treadville, Max Wagner, Lillian West, Chalky Williams, etc. Duração: 115 minutos; Distribuição em Portugal: Sif; VHS: Warner Bros.; Classificação etária: M/12 anos; Estreia em Portugal: 12 de Maio de 1956.


JAMES DEAN (1931-1955)

James Byron Dean nasceu a 8 de Fevereiro de 1931, em Marion, Indiana, EUA, e faleceu a 30 de Setembro de 1955, em Cholame, Califórnia, EUA, vítima de acidente de viação. Depois de passar grande parte da sua juventude numa quinta dos tios, em Fairmount, Indiana, viajou até Nova Iorque com o sonho de vir a ser actor. Depois de alguns trabalhos sem grande significado, e de uma nomeação de melhor “revelação” em "The Immoralist”, na Broadway, mudou-se para Hollywood, onde de início não teve igualmente muita sorte, pois só conseguiu papéis sem qualquer relevo, em filmes como a obra de Samuel Fuller, “Baionetas Caladas” (1951), onde era um soldado na Guerra da Coreia; a comédia de Dean Martin e Jerry Lewis, “Marujo, o Conquistador” (1952); ou uma aparição irrelevante numa outra comédia com Piper Laurie e Rock Hudson, “Viram a Minha Noiva?” (1952). Mas rapidamente passou a protagonista de três filmes que lhe conferiram o lugar de imortal e de ícone na galeria das mais lendárias estrelas de Hollywood. Na adaptação da obra de John Steinbeck, realizada por Elia Kazan, “A Leste do Paraíso” (1955), na personagem de Jim Stark o rebelde sem causa do mítico filme de Nicholas Ray, “Fúria de Viver” (1955), e finalmente na adaptação de um romance de Edna Ferber, O Gigante (1956), com a assinatura de outro mestre, George Stevens. No dia 30 de Setembro de 1955, ao volante de um Porsche Spyder, colidiu com outro carro numa estrada perto de Cholame, na Califórnia, e teve morte quase instantânea. Duas horas antes tinha sido multado por excesso de velocidade. Tinha 24 anos, milhões de admiradores, e esta trágica ocorrência, acrescida do seu talento e carisma, transformaram-no num mito insubstituível. O funeral foi uma manifestação de pesar sem paralelo. Sepultado no Park Cemetery, Fairmount, Indiana, EUA. Recebeu duas nomeações (póstumas – até hoje únicas!) para Oscar de Melhor Actor, em “A Leste do Paraíso” e “O Gigante”. A sua vida privada foi vasculhada ao pormenor, contando-se várias ligações, umas com actrizes como Pier Angeli (que antes de se suicidar confessou que James Dean tinha sido o seu verdadeiro amor) ou Liz Sheridan, outras com elementos masculinos, sublinhando a sua tendência homossexual. William Bast, seu companheiro, escreveu um livro sobre a sua relação com Dean, "Surviving James Dean". Era um admirador confesso de Marlon Brando, que o acusava de lhe copiar comportamento, etilo de vida, gestos, etc., e uma das suas aspirações era ser escritor (tal como Brando). A sua interpretação de Jim Stark, em “Fúria de Viver” (1955), foi considerada a 43ª melhor de toda a história do cinema, no inquérito da “Première Magazine”, “100 Greatest Performances of All Time” (2006). Antes de falecer, assinara um contrato com a Warner Bros., no valor de 900,000 dólares, contra a participação em nove filmes, entre os quais se alinhavam "The Corn is Green", “Marcado Pelo Ódio” (1956), “Vício de Matar” (1958), “Gun for a Coward” (1957), “This Angry Age” (1958) e “Gata em Telhado de Zinco Quente” (1958). Paul Newman substituiu-o por três vezes. 

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