A LESTE DO PARAÍSO (1995)
A
família e a figura tutelar do pai são dois dos temas mais recorrentes na
filmografia (e em toda a obra, escrita e teatral também) de Elia Kazan. “A
Leste do Paraíso”, conjuntamente com “Esplendor na Relva”, “América, América” ou
“O Compromisso”, é um dos filmes mais sinceros e sentidos como retrato da
célula familiar e sobretudo das relações de amor e raiva que se podem
estabelecer entre filhos e pais. O próprio Elia Kazan confessa que as suas
relações com o seu pai foram conflituosas: o pai era um grego tradicionalista e
autoritário, Kazan um jovem rebelde que sonhava com a liberdade, mas que
procurava conciliar o amor ao pai com essa necessidade de revolta e de
imposição de uma vontade própria.
Segundo
um romance de John Steinbeck, “A Leste do Paraíso” é um dos títulos que mais
contribuíram para a glória de James Dean e para a consolidação do mito do
rebelde. Elia Kazan esmera-se na direcção de actores, utilizando todo o arsenal
de elementos fornecidos pelo Actor's Studio, tendo em James Dean uma massa
fácil de moldar. O realizador afirma inclusive que ao actor bastou ser ele
mesmo, com os seus traumas e obsessões para conseguir um trabalho notável e
impor uma personagem inesquecível, na fragilidade e ambiguidade do seu comportamento.
A forma como Dean utiliza subtilmente o corpo para sublinhar emoções e estados
de espírito, é impressionante. O princípio de que a câmara de filmar deve
penetrar no interior dos actores através dos olhos para revelar o seu íntimo
mais secreto é aqui exemplarmente confirmado. Os olhos magoados e furtivos de
Dean são uma doce fogueira de sentimentos contraditórios, que vão do amor mais
intenso à piedade mais sofrida, passando pela raiva e a violência.
“East
of End” decorre em Salinas Valley, no estado da Califórnia, no ano de1917, e
fala-nos essencialmente da vida de uma família de agricultores, centrando-a, no
fundamental, em Cal (James Dean), um dos filhos de Adam Trask (Raymond Massey).
O outro é Aron (Richard
Davalos), a quem o pai dedica mais atenção e com quem mantém uma
relação muito mais próxima. A relação entre Cal e Aron remete para uma outra,
muito mais antiga e mitificada pelos tempos: “Caim matou Abel e foi viver para
Leste: a leste do Paraíso”.
Será
numa evidente toada de alusões bíblicas que Kazan desenvolve a sua obra, atenta
aos contornos psicológicos das personagens e ao seu devido enquadramento social
e histórico. Estamos em 1917, a América prepara-se para entrar na I Guerra
Mundial, o clima é de instabilidade e insegurança. Quando Adam Trash perde toda
a sua riqueza num negócio de congelamento de vegetais, Cal procura remediar o
mal, criando feijões, cujo preço sobe em flecha depois dos EUA entrarem no
conflito. Mas Adam é um puritano empedernido, rege-se por uma conduta moral
obsoleta, não compreende os motivos dos outros, sobretudo de Cal, que ele
identifica com o Mal e o Pecado, herdados da mãe desaparecida. Cal é o
protótipo do protagonista de actos falhados: cada nova tentativa de aproximação
do pai é um fracasso, cada gesto de amor e devoção, uma tragédia, o que o leva
a gritar: “Não quero mais amor de espécie nenhuma, o amor não dá futuro.”
Vivendo
com o pai e o irmão, julgando a mãe morta, Cal descobre, no entanto, que ela
vive ainda, surpreendendo-a à frente de um bordel em Monterey. Esta descoberta
é uma revelação e igualmente uma confirmação: ele é a personificação do Mal,
tal como o fora a mãe,
Kate (Jo Van Fleet), que rompera o casamento na procura da
liberdade pessoal, sentindo-se asfixiar pelo rigor puritano do marido e a vida
isolada do campo. Para fugir de casa tivera mesmo que alvejar o marido. Hoje
vive abastadamente na melhor “casa” de Monterey, adormecida em álcool e
recusando de início ver os filhos. Mas o seu olhar magoado recorda dores
antigas, o que não a impede de orgulhosamente afirmar que “entra na sua “casa”
pela porta da frente, enquanto os seus influentes clientes o fazem
“clandestinamente pela porta das traseiras”.
Para
o melodrama ser ainda mais intenso e o clima emocional de cortar à faca, Aron
namora com Abra (Julie Harris), mas desde o início se pressente que esta ama e
deseja Cal, não assumindo esse amor por medo. Cal representa a liberdade, Aron
o conformismo, Abra verga-se à vontade deste último por comodismo, mas anseia
por uma gesto de Cal. Que acontece, durante uma noite numa feira, no alto de
uma Roda que precipita o destino. O ciúme adormecido e a rivalidade mantida em
segredo explodem. Caim e Abel em luta. Cal obriga o irmão a confrontar-se com a
mãe, acabando este por fugir do Paraíso e ir oferecer-se como voluntário para a
guerra, rompendo com a namorada, que é a única pessoa capaz de compreender e
aceitar Cal conforme este é. “É tremendo não ser amado. Torna as pessoas
mesquinhas, horríveis, más.”
Um
filme dramático e vigoroso, excelentemente dirigido e interpretado por um
grande conjunto de actores, encabeçados por James Dean, mas onde é ainda de
justiça referir Jo Van Fleet, Raymond Massey, Julie Harris e Burl Ives (Sam, o Sheriff).
Excelente partitura musical de Leonard Rosenman.
A LESTE DO PARAISO
Título original: East of Eden
Realização: Elia Kazan (EUA, 1955); Argumento: Paul Osborn, John
Steinbeck, segundo romance deste último; Produção: Elia Kazan; Música: Leonard
Rosenman; Fotografia (cor): Ted D. McCord; Montagem: Owen Marks; Direcção artística:
James Basevi, Malcolm C. Bert; Decoração: George James Hopkins; Guarda- roupa:
Anna Hill Johnstone; Maquilhagem: Gordon Bau; Asistentes de realização: Don
Alvarado, Horace Hough; Som: Stanley Jones; Companhia de produção: Warner
Bros.; Intérpretes: James Dean (Cal
Trask), Julie Harris (Abra), Raymond Massey (Adam Trask), Burl Ives (Sam, o
Sheriff), Richard Davalos (Aron Trask), Jo Van Fleet (Kate), Albert Dekker
(Will Hamilton), Lois Smith (Anne), Harold Gordon (Gustav Albrecht), Nick
Dennis (Rantani), Abdullah Abbas, Rose Allen, José Arias, Barbara Baxley, Joe
Brooks, Timothy Carey, Jack Carr, Wheaton Chambers, Lonny Chapman, Edward
Clark, Harry Cording, Roger Creed, Ray Dawe, Anna Dewey, Lester Dorr, Darren
Dublin, Franklyn Farnum, Al Ferguson, Cliff Fields, Richard Garrick, John
George, Leonard George, John Halloran, Jonathan Haze, Ramsay Hill, Earle
Hodgins, Charles Anthony Hughes, Carolyn Jones, Effie Laird, Frank Mazzola,
Edward McNally, Ken Miller, Tex Mooney, Paul Nichols, William 'Bill' Phillips,
Rose Plummer, Pat Priest, Julian Rivero, Mickey Roth, Loretta Rush, Mario
Siletti, Hal Taggart, Bette Treadville, Max Wagner, Lillian West, Chalky
Williams, etc. Duração: 115 minutos;
Distribuição em Portugal: Sif; VHS: Warner Bros.; Classificação etária: M/12
anos; Estreia em Portugal: 12 de Maio de 1956.
JAMES
DEAN (1931-1955)
James Byron Dean
nasceu a 8 de Fevereiro de 1931, em Marion, Indiana, EUA, e faleceu a 30 de
Setembro de 1955, em Cholame, Califórnia, EUA, vítima de acidente de viação.
Depois de passar grande parte da sua juventude numa quinta dos tios, em
Fairmount, Indiana, viajou até Nova Iorque com o sonho de vir a ser actor.
Depois de alguns trabalhos sem grande significado, e de uma nomeação de melhor
“revelação” em "The Immoralist”, na Broadway, mudou-se para Hollywood,
onde de início não teve igualmente muita sorte, pois só conseguiu papéis sem
qualquer relevo, em filmes como a obra de Samuel Fuller, “Baionetas Caladas”
(1951), onde era um soldado na Guerra da Coreia; a comédia de Dean Martin e
Jerry Lewis, “Marujo, o Conquistador” (1952); ou uma aparição irrelevante numa
outra comédia com Piper Laurie e Rock Hudson, “Viram a Minha Noiva?” (1952).
Mas rapidamente passou a protagonista de três filmes que lhe conferiram o lugar
de imortal e de ícone na galeria das mais lendárias estrelas de Hollywood. Na
adaptação da obra de John Steinbeck, realizada por Elia Kazan, “A Leste do
Paraíso” (1955), na personagem de Jim Stark o rebelde sem causa do mítico filme
de Nicholas Ray, “Fúria de Viver” (1955), e finalmente na adaptação de um
romance de Edna Ferber, O Gigante (1956), com a assinatura de outro mestre,
George Stevens. No dia 30 de Setembro de 1955, ao volante de um Porsche Spyder,
colidiu com outro carro numa estrada perto de Cholame, na Califórnia, e teve
morte quase instantânea. Duas horas antes tinha sido multado por excesso de
velocidade. Tinha 24 anos, milhões de admiradores, e esta trágica ocorrência,
acrescida do seu talento e carisma, transformaram-no num mito insubstituível. O
funeral foi uma manifestação de pesar sem paralelo. Sepultado no Park Cemetery,
Fairmount, Indiana, EUA. Recebeu duas nomeações (póstumas – até hoje únicas!)
para Oscar de Melhor Actor, em “A Leste do Paraíso” e “O Gigante”. A sua vida
privada foi vasculhada ao pormenor, contando-se várias ligações, umas com
actrizes como Pier Angeli (que antes de se suicidar confessou que James Dean
tinha sido o seu verdadeiro amor) ou Liz Sheridan, outras com elementos
masculinos, sublinhando a sua tendência homossexual. William Bast, seu
companheiro, escreveu um livro sobre a sua relação com Dean, "Surviving
James Dean". Era um admirador confesso de Marlon Brando, que o acusava de
lhe copiar comportamento, etilo de vida, gestos, etc., e uma das suas
aspirações era ser escritor (tal como Brando). A sua interpretação de Jim
Stark, em “Fúria de Viver” (1955), foi considerada a 43ª melhor de toda a
história do cinema, no inquérito da “Première Magazine”, “100 Greatest
Performances of All Time” (2006). Antes de falecer, assinara um contrato com a
Warner Bros., no valor de 900,000 dólares, contra a participação em nove
filmes, entre os quais se alinhavam "The Corn is Green", “Marcado
Pelo Ódio” (1956), “Vício de Matar” (1958), “Gun for a Coward” (1957), “This
Angry Age” (1958) e “Gata em Telhado de Zinco Quente” (1958). Paul Newman
substituiu-o por três vezes.
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