A
RAÍNHA AFRICANA (1951)
Um homem e uma mulher descem um rio, em
África, a bordo de uma barcaça de madeira corroída e remendada, carregada com
explosivos. Tudo se passa durante a II Guerra Mundial. Estamos em Setembro de
1941, numa pequena aldeia da África equatorial, quando esta é atacada por
tropas alemãs. Assistimos antes à vida quotidiana de uma missão religiosa,
dirigida pelo padre Samuel Sawyer (Robert Morley), ajudado pela sua irmã, Rose
(Katharine Hepburn). São ingleses, percebe-se desde logo pela forma como se
comportam, incitando aos cânticos piedosos, enquanto a sua assembleia nativa
está muito mais preocupada com outros temas mais terrestes. Nesse ambiente vem
atracar o “African Queen”, comandado pelo seu único tripulante, Charlie Allnut
(Humphrey Bogart), um canadiano solitário, dado ao whisky e ao fumo, avesso a
grandes falas, desiludido da vida e sem muitas razões para acreditar no que
quer que seja. Mas a aldeia é atacada, o padre morre, e Charlie e Rose
descobrem-se no interior do barco a descer um rio que ora corre vertiginoso,
ora se adelgaça até parecer impossível a barcaça passar. Ela mantém de início o
distanciamento de uma inglesa que não é dada a misturas, ele não esconde uma
certa boçalidade e alguma rudeza de modos. Ela não perdoa aos nazis a morte do
irmão e quer levar o barco até ao lago Victoria para mandar pelos ares um navio
de guerra alemão com os explosivos que transportam, mas ele não está nem aí.
Mas, lentamente, ela vai-se aproximando dele e ele vai-se aproximando do barco
germânico, com algumas peripécias emocionais (e não só) pelo caminho.
Um homem e uma mulher
num barco a descer um rio em plena selva africana pode não ser um tema muito
exaltante em termos dramáticos e espetaculares. Acontece que quem realiza o
filme é John Huston, uma força da natureza, com argumento de James Agee,
baseado no romance de C. S. Forester, e interpretações de Humphrey Bogart e
Katharine Hepburn. A mistura não podia ser mais explosiva e o que ganha é o
filme que se tornou rapidamente num memorável marco na história do cinema.
Humphrey Bogart ganhou o Oscar de Melhor Actor, e a obra teve ainda nomeações
para Melhor Actriz (Katharine Hepburn), Melhor Realizador (John Huston), e
Melhor Argumento (James Agee e John Huston). Humphrey Bogart, Katharine Hepburn
e John Huston foram ainda nomeados e premiados em diversas outras atribuições
de galardões.
Uma das grandes
virtudes do filme reside ainda no facto de ter sido rodado em cenários naturais
em África. Nem poderia ter sido de outra maneira com John Huston a dirigir as
operações. Ele adorava a aventura, paisagens exóticas, gentes diferentes, caçar
grandes presas. Foi durante as filmagens de “A Rainha Africana” que ocorreram
os episódios de “fugas” de John Huston para ir atrás de elefantes que, ao que
consta, nunca conseguiu abater e do que mais tarde se arrependeu publicamente.
Foi com base num romance de Peter Viertel, que colaborou no argumento de “A
Rainha Africana”, ainda que não apareça mencionado no genérico, que Clint
Eastwood rodou, em 1990, “Caçador Branco, Coração Negro” (White Hunter Black
Heart) que, de certa forma, aborda esta aventura africana de Huston, sem o
referir directamente.
De resto, esta rodagem
esteve rodeada de episódios dramáticos. Filmado em grande parte no antigo Congo
Belga (hoje República Democrática do Congo), e no lago Alberta (no Uganda),
“A
Rainha Africana” foi fértil em ameaças, desde o calor obsessivo às pragas de
insectos, às visitas de animais ferozes, onde os crocodilos desempenharam papel
relevante, até às doenças mais variadas (como a disenteria) que atingiram todos
quanto provaram águas do rio, com excepção, ao que dizem, de John Huston e
Humphrey Bogart que, à água preferiam o whiskey. Tudo isto aparece contado num livro de memórias de
Katharine Hepburn, “The Making of the African Queen: Or How I Went to Africa
With Bogart, Bacall and Huston and Almost Lost My Mind”, ou na biografia de
John Huston, “An Open Book”.
Mas se as peripécias
foram muitas ao longo da rodagem, o mais interessante no filme que dela
resultou foi o jogo de personalidades que se estabelece no interior desse
huis-clos de um barco isolado na floresta selvagem. A forma como duas
personalidades extremamente diferentes acabam por se unir, adaptando-se uma à
outra através dessa viagem que tem nas margens de um rio o seu cenário natural,
é magnifica. Mas essa viagem acompanha a de um outro rio, este interior, que
vai mudando lentamente o comportamento de dois desconhecidos que vagarosamente
se vão saboreando um ao outro. Dois actores admiráveis, duas subtilezas
invulgares na composição de figuras que ficam para sempre marcadas nas memórias
de quem com elas conviveu durante as duas horas de projecção. Bogart não anda
muito distante do seu anti-herói, de início longe das grandes causas, por
desânimo e descrença, que acaba por aderir a uma delas, normalmente por força
de uma mulher (foi assim de “Casablanca” a “Ter ou Não Ter”, passando por
tantas outras personagens, como o Philip Marlowe de “À Beira do Abismo”).
De resto, o filme é
magnificamente dirigido por John Huston e, conta quem parece saber dos factos,
esta rodagem em África terá sido muito benéfica para quem nela participou pois
afastou alguns elementos tidos como “avermelhados” das malhas da Comissão das
Actividades Anti-americanas.
A
RAÍNHA AFRICANA
Título
original: The African Queen
Realização: John Huston
(EUA, Inglaterra, 1951); Argumento: James Agee, John Huston, John Collier,
Peter Viertel, (estes dois últimos não creditados), segundo romance de C.S.
Forester ("The African Queen"); Produção: Sam Spiegel, John Woolf;
Música: Allan; Fotografia (cor): Jack Cardiff; Montagem: Ralph Kemplen;
Direcção artística: Wilfred Shingleton; Guarda-roupa: Connie De Pinna, Doris
Langley Moore, Vi Murray; Maquilhagem: Eileen Bates, George Frost; Direcção de
Produção: Leigh Aman, T.S. Lyndon-Haynes; Assistentes de realização: Guy
Hamilton, Bill Herlihy, Bert Pearl; Departamento de arte: John Hoesli, Harry
Arbour, Ron Benton, Don Picton; Som:
John W. Mitchell, Eric Wood, Kevin McClory; Efeitos especiais: Cliff Richardson;
Companhias de produção: Romulus Films, Horizon Pictures; Intérpretes: Humphrey Bogart (Charlie Allnut), Katharine Hepburn
(Rose Sayer), Robert Morley (Rev. Samuel Sayer), Peter Bull (capitão do
Louisa), Theodore Bikel (Oficial), Walter Gotell (Oficial), Peter Swanwick
(Oficial do Shona), Richard Marner (Oficial do Shona), Gerald Onn, John von
Kotze, etc. Duração: 105 minutos; Distribuição em Portugal: Costa do Castelo
Filmes; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 26 de
Janeiro de 1953
(1899 – 1957)
Humphrey DeForest Bogart, também
conhecido por Bogie ou Bogey, nasceu em
Nova Iorque, EUA, a 25 de Dezembro de 1899 e faleceu em Hollywood, Califórnia,
EUA, a 14 de Janeiro de 1957, vítima de cancro. O American Film Institute
elegeu-o como a maior estrela masculina do cinema norteamericano de todos os
tempos. Ganhou um Oscar da Academia, com “A Rainha Africana”, em 1951.
Era o filho mais velho de Belmont
DeForest Bogart e Maud Humphrey, ele médico cirurgião e ela artista gráfica. A
sua juventude decorreu calmamente no confortável do bairro de Upper West Side,
em Nova York, e estudou numa escola particular prestigiada, a Trinity School, e
posteriormente na Escola preparatória Phillips Academy, em Andover,
Massachusetts. Estava destinado a estudar medicina na Universidade de Yale, mas
foi expulso por comportamento rebelde, e resolveu ir conduzir camiões. Durante
a I Guerra Mundial, alistou-se na Marinha e, em 1918, o navio onde se
encontrava foi atacado por submarinos e um fragmento de madeira rasgou-lhe a
boca, afectando para sempre sua maneira de falar. Um ferimento nunca é
abençoado, mas neste caso ajudou muito na criação da sua mística.
Em 1921 começava a sua carreira de actor
nos palcos, em Brooklyn. Entre 1922 e 1925, apareceu em 21 produções da Broadway.
Na época, Bogart conheceu Helen Menken, com quem se casou, para se separar um
ano depois e voltar a casar, em 1928, com a actriz Mary Philips. Em 1934,
Bogart interpretou a peça "Invitation to a Murder" e o produtor
Arthur Hopkins gostou de o ver e convida-o para fazer parte do elenco de “The
Petrified Forest”, representando o papel de Duke Mantee, um sinistro e perigoso
fugitivo da cadeia. A peça contou 197 apresentações em Nova Iorque. Pouco
depois, a Warner Bros comprou os direitos da peça para adaptá-la ao cinema, e
assinou contrato com o protagonista no teatro, Leslie Howard, que insistiu em
manter Bogart como companheiro de elenco no cinema. “A Floresta Petrificada”,
estreado em 1936, contava ainda com a participação de Bette Davis, e foi um sucesso
que catapultou Bogart inicialmente para uma carreira de vilão (excelente
exemplo: “Angels with Dirty Faces”, de 1938) e, depois de “Relíquia Macabra”
(1941), uma realização do seu amigo de sempre John Huston, passando-se para o
outro lado da lei, nomeadamente como detective privado.
Em 1938, Bogart casa-se pela terceira
vez, agora com a actriz Mayo Methot, casamento que acabou rapidamente. Aquando
da rodagem de “Casablanca” (1943), Mayo acusou-o de ter um caso com Ingrid
Bergman, e Bogart desligou-se, só voltando a casar, em 1945, com o grande amor
da sua vida, Lauren Bacall. Estranhamente, Ingrid Bergman confessou anos depois
que quase não se falaram fora do estúdio e disse mesmo mais. "Eu beijei-o,
mas nunca o conheci". "Casablanca" tornou-se rapidamente numa
das obras míticas da sétima arte e o actor passaria para sempre a estar colado
a uma frase que nunca disse: “Play it again, Sam!”.
Entre 1943 e 1955, Bogart foi acumulando criações de personagens
inesquecíveis (“To Have and Have Not”,1944, “The Big Sleep”, 1946, “Dark
Passage”, 1947, “Key Largo”, 1948, “The Treasure of the Sierra Madre”, 1948, ou
“In a Lonely Place”, 1950… ). Em 1949, fundou sua própria produtora, a Santana
Productions. Em 1951, Bogart entra em “A Rainha Africana”, de novo sob as
ordens de John Huston, e ao lado de Katharine Hepburn. Foi o seu primeiro filme
a cores e com o seu trabalho como Charlie Alnutt conquistou finalmente o Oscar
de melhor actor. Em 1954, rodou “The Caine Mutiny” (Os Revoltados do Caine), de
Edward Dmytryk, segundo romance homónimo de Herman Wouk, que ganhara o Prémio
Pulitzer em 1951, no papel do esquizofrénico Capitão Queeg. No mesmo ano,
apareceu ainda em “Sabrina”, de Billy Wilder, e “The Barefoot Contessa” (A
Condessa Descalça), de Joseph L. Mankiewicz. O seu derradeiro título foi “The
Harder They Fall” (A Queda de um Corpo), de Mark Robson, no papel de Eddie
Willis, um jornalista desportivo corrupto.
Morreu de cancro, devido talvez aos seus
excessos de tabaco e álcool, no dia 14 de Janeiro de 1957. As suas cinzas
encontram-se depositadas no Forest Lawn Memorial Park, Glendale, Los Angeles,
EUA.
Filmografia:
1930: Broadway's Like That
(curta-metragem); A Devil with Women, de Irving Cummings; 1931: Body And Soul
(De Corpo e Alma), de Alfred Santell; Women of All Nations (Mulheres de Todas
as Nações), de Irving Cummings; 1936: The Petrified Forest (A Floresta
Petrificada), de Archie Mayo; Bullets or Ballots (Guerra ao Crime), de William
Keighley; 1937: Marked Woman (A Mulher Marcada), de Llyod Bacon; Kid Galahad (O
Mais Forte), de Michael Curtiz; San Quentin (Algemas Quebradas), de Lloyd
Bacon; Dead End (As Ruas de Nova Iorque), de William Wyler; 1938: Angels With
Dirty Faces (Anjos de Cara Lavada), de Michael Curtiz; 1939: King of The
Underworld (Contra a Lei), de Lewis Seiler; The Oklahoma Kid (A Lei da Força),
de Lloyd Bacon; Dark Victory (Vitória Amarga), de Edmund Goulding; The Roaring
Twenties (Heróis Esquecidos), de Raoul Walsh; Invisible Stripes (Homens
Marcados), de Lloyd Bacon; 1940: Virginia City (Duas Causas), de Michael
Curtiz; It All Came True (Um Sonho para Dois), de Lewis Seiler; Brother Orchid
(Orquidea Brava), de Lloyd Bacon; They Drive by Night (Vidas Nocturnas), de
Nicholas Ray; 1941: High Sierra (O Último Refúgio), de Raoul Walsh; The Maltese
Falcon (Relíquia Macabra), de John Huston; 1942: Across the Pacific (Garras
Amarelas), de John Huston; 1943: Casablanca (Casablanca), de Michael Curtiz;
Sahara (Sahara), de Zoltan Korda; 1944: Passage To Marseille (Passagem para
Marselha), de Michael Curtiz; 1945: To Have and Have Not (Ter ou Não Ter), de
Howard Hawks; Conflict (Conflitos de Alma), de Curtis Bernhardt; 1946: The Big
Sleep (À Beira do Abismo), de Howard Hawks; 1947: Dead Reckoning (Maldita
Mulher), de John Cromwell; Dark Passage (O Prisioneiro do Passado), de Dermer
Daves; 1948: The Treasure of The Sierra Madre (O Tesouro de Sierra Madre), de
John Huston; Key Largo (Paixões em Fúria), de John Huston; 1949: Knock on Any
Door (O Crime não Compensa), de Nicholas Ray; 1950: In a Lonely Place (Matar ou
Não Matar), de Nicholas Ray; The Enforcer (Sem Consciência), de Bretaigne
Windust; Sirocco (Vento do Deserto), de Curtis Bernhardt; 1951: The African
Queen (A Rainha Africana), de John Huston; 1952: Deadline Usa (A Última
Ameaça), de Richard Brooks; 1953: Battle Circus (O Circo Infernal), de Richard
Brooks; 1954: Beat the Devil (O Tesouro de África), de John Huston; 1954: The
Caine Mutiny (Os Revoltados do Caine), de Edward Dmytryk; 1954: Sabrina
(Sabrina), de Billy Wilder; 1954: The Barefoot Contessa (A Condessa Descalça),
de Joseph L. Mankiewicz; 1955: We're no Angels (Veneno de Cobra), de Michael
Curtiz; 1955: The Left Hand of God (A Mão Esquerda de Deus), de Edward Dmytryk;
1955: The Desperate Hours (Horas de Desespero), de William Wyler; 1956: The
Harder They Fall (A Queda de um Corpo), de Mark Robson.
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