terça-feira, 18 de abril de 2017

O REI E EU


O REI E EU (1956)

Vejamos um pouco de História. Quem foi Anna Leonowens e o Rei Mongkut do Sião, que aparecem como protagonistas desta história que tem dado a volta ao mundo como peça de teatro musical e igualmente como filme. Pois bem, Anna Leonowens (as senhoras primeiro) nasceu na Índia, a 5 de Novembro de 1831, em Ahmadnagar, nesse tempo colónia inglesa. Órfã de pai antes de nascer, ficou com a mãe e teve vida atribulada. A família era numerosa (entre eles um jovem sobrinho, de nome William Henry Pratt, conhecido no cinema como Boris Karloff) e Anna farta-se de viajar, passa pelo Egipto e a Palestina, volta à Índia, casa-se com Thomas Leon Owens ou Leonowens, continuam o périplo pela Austrália até chegarem a Singapura. Depois de várias peripécias, Thomas encontra emprego como guarda de hotel, mas morre subitamente, de apoplexia. Anna vive com dificuldade e resolve abrir uma escola para os filhos dos oficiais britânicos em Singapura. Economicamente não foi um sucesso, mas impôs uma reputação com pedagoga. Tanto assim é que, em 1862, Tan Kim Ching, cônsul do Sião (hoje Tailândia) em Singapura, propõe-lhe entrar ao serviço do rei Mongkut (Rama IV), como professora de inglês (ou preceptora, há várias versões) dos seus inúmeros filhos. Aceita e parte para Banguecoque, onde passa por uma experiência particularmente interessante, sob o ponto de vista de choque, ou confronto, de civilizações e culturas. Dessa permanência no Sião resultaram dois livros de memórias, “The English Governess at the Siamese Court” e “The Romance of the Harem”, que têm sido alvo de vários estudos sobre a influência, ou não, de Anna Leonowens na modernização do Sião (levada a efeito sobretudo por Rama V, um dos filhos de Rama IV, e, portanto, um dos alunos de Anna). Fim de história de Anna Leonowens: quando deixou o Sião emigrou para a Nova Escócia, depois para o Canadá, Montreal, onde morreu em 1915.


Em 1943, a escritora norte-americana Margaret Landon, partindo destas obras, publica um romance, “Anna and the King of Siam”, que irá conhecer grande sucesso e dar origem a diversos filmes, peças de teatro, séries de televisão, etc. A maioria destas obras foi proibidas na Tailândia.
Quanto a Mongkut (1804 - 1868), o rei do Sião, foi um monarca que abriu o seu reino à influência estrangeira, sobretudo ocidental, e que afastou a cobiça colonial, ao renunciar ao Cambodja, ao Laos e à Malásia. Adoptou várias inovações tenológicas ocidentais, assim como aceitou o diálogo cultural com o Ocidente.  Chamavam-lhe “o Pai da Ciência e da Tecnologia”.
A primeira adaptação para cinema do romance de Margaret Landon deu-se em 1946, pela mão do realizador John Cromwell, “Ana e o Rei do Sião” (Anna and the King of Siam), com Irene Dunne, Rex Harrison e Linda Darnell.
A adaptação seguinte foi para teatro, “The King and I”, que estreou no St. James Theatre, em Nova Iorque, estendendo a sua temporada entre 29 de Março de 1951 e 20 de Março de 1954, durante 246 representações. Gertrude Lawrence e Yul Brynner foram os protagonistas, e a coreografia tinha a assinatura de Jerome Robbins. A encenação era de John Van Druten. O sucesso foi tal que a versão cinematográfica deste musical teatral demorou pouco a chegar aos ecrãs mundiais. “O Rei e eu” (The King and I), data de 1956, com o mesmo Yul Brynner no papel do rei Mongkut. Gertrude Lawrence, entretanto falecida, daria o seu papel a Debora Kerr. O filme teve um êxito monumental, mobilizando público e ganhando o aplauso da crítica. Também nos Oscars não se portou nada mal. Foi nomeado para nove Oscars, entre os quais o Melhor Filme, Melhor Realização (Walter Lang), Melhor Actriz (Debora Kerr) e Melhor Fotografia a cores (Leon Shamroy), tendo ganhou cinco, Melhor Actor (Yul Brynner), Melhor Partitura Musical (Alfred Newman & Ken Darby), Melhor Direcção Artística a Cores e Melhor Decoração (Lyle R. Wheeler, John DeCuir, Walter M. Scott, Paul S. Fox), Melhor Guarda Roupa (Irene Sharaff) e Melhor Som (Carlton W. Faulkner).
Em 1972, surgiu uma série televisiva, de 13 episódios, interpretada por Yul Brynner e Samantha Eggar, "Anna and the King", e, posteriormente, em 1999, aparece “Ana e o Rei”, uma versão que é a única a fugir ao romance de Margaret Landon e a ir beber directamente a fonte do seu argumento às memórias de Anna Leonowens. O filme foi dirigido por Andy Tennant e tinha como protagonistas Jodie Foster e  Yun-Fat Chow. Há ainda a referir, em 1999, um filme de animação, “The King and I”, com realização de Richard Rich e vozes de Miranda Richardson e Martin Vidnovic, que não esquece os temas musicais de Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II.


Acompanhar as criações em palco do musical teatral seria impossível, tantas e tão variadas são, mas poderão citar-se algumas. Em 1977, no Theatre Owned, Yul Brynner regressa à personagem, agora acompanhado por Constance Towers; em 1985, novamente Yul Brynner, agora contracenando com Mary Beth Peil, volta à ribalta, desta feita no palco do Broadway Theatre. Falecido Yul Brynner, a 10 de Outubro de 1985, as versões seguintes já não contavam com a sua exótica e carismática contribuição. Por isso “The King and I”, no Neil Simon Theatre, em 1996, foi interpretado por uma dupla novidade: Donna Murphy e Lou Diamond Phillips. O mesmo aconteceu com a mais recente reposição em Nova Iorque deste musical de sucesso garantido. Kelli O'Hara e Ken Watanabe foram os actores principais que reviveram a estranha ligação entre Anna e o rei do Sião, no Vivian Beaumont Theatre, entre 2015 e 2016. 499 representações. Um êxito que continua.
Regressando à versão cinematográfica de 1956, de que nos ocupamos agora, o filme de Walter Lang persiste e acentua, se possível, todas as dúvidas (ou todas as certezas?) levantadas pelos diários memorialistas de Anna Leonowens, bem como toda a desconfiança histórica do romance de Margaret Landon. Nada do que aqui é narrado tem qualquer consistência histórica, e assemelha-se muito a recordações romanescas de uma preceptora nostálgica e preconceituosa e de uma romântica romancista que encontrou no material biográfico de Anna Leonowens saborosa matéria romanesca para escrever um best seller. As versões teatrais e cinematográficas desenvolvem e prolongam esta auspiciosa operação. O melhor, portanto, é não dar (quase) nenhuma importância histórica a estas criações ficcionadas, livremente inspiradas em factos mais ou menos reais, e ficarmo-nos pelo que vemos, no caso do filme em apreço.
O que vemos é um grandioso espectáculo musical, ligando um conjunto de magníficas canções, envolvido o todo por cenários luxuriantes, uma fotografia de tons sumptuosos, um guarda-roupa verdadeiramente exuberante, servido por bons actores, alguns dobrados (Deborah Kerr terá mesmo perdido o Oscar de Melhor Actriz, por ter sido dobrada nas canções por Marni Nixon), e uma realização cuidada e eficaz, que aqui e ali surpreende pela positiva (há excelentes momentos, nomeadamente a sequência de dança entre o rei e Anna, um must na história do musical, ou o bailado inspirado em “A Cabana do Pai Tomás”). Depois o filme ostenta aquele tom de quem não se leva muito a sério, com uma ironia subtil, que os actores apimentam com o seu talento. Nesse aspecto, Yul Brynner que alguns consideravam um canastrão, mostra muitas qualidades, um saudável sentido de humor, e obviamente um carisma muito especial que a sua careca acentuava, reafirmando uma virilidade mais ou menos óbvia. Este foi o filme da sua consagração definitiva e a personagem de uma vida.


O REI E EU
Título original: The King and I
Realização: Walter Lang (EUA, 1956); Argumento: Ernest Lehman, segundo Oscar Hammerstein II e Margaret Landon, do musical teatral baseado em “Anna and the King of Siam”, desta última autora; Produção: Charles , Darryl F. Zanuck; Música: Alfred Newman;  Fotografia (cor): Leon Shamroy; Montagem: Robert L. Simpson; Direcção artística: John DeCuir, Lyle R. Wheeler; Decoração: Paul S. Fox, Walter M. Scott; Guarda-roupa: Irene Sharaff; Maquilhagem: Ben Nye, Helen Turpin, Hal Lierley; Coreografia: Jerome Robbins; Assistentes de realização: Eli Dunn; Departamento de arte: Wah Chang, Larry Haddock, George Westenhiser; Som: Warren B. Delaplain, E. Clayton Ward, Carlton W. Faulkner;  Efeitos especiais: Doug Hubbard; Efeitos visuais: Ray Kellogg; Companhias de produção: Twentieth Century-Fox Film Corporation; Intérpretes: Deborah Kerr (Anna Leonowens), Yul Brynner (Rei Mongkut do Sião), Rita Moreno (Tuptim), Martin Benson (Kralahome), Terry Saunders (Lady Thiang), Rex (Louis Leonowens), Carlos Rivas (Lun Tha), Patrick Adiarte (Principe Chulalongkorn), Alan Mowbray (Sir John Hay), Geoffrey Toone (Sir Edward Ramsay), Leo Abbey, Robert Banas, Dennis Bonilla, Thomas Bonilla, Jerry Chien, Nancy Chien, Mary Lou Clifford, Judy Dan, Gemze De Lappe, Amir Farr, Henry Fong, Margaret Fukuda, etc. Duração: 133 minutos; Distribuição em Portugal: Fox Filmes; (DVD): LNK; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: Tivoli, 22 de Outubro de 1956.

Principais números musicais: Overture (20th Century-Fox Orchestra); I Whistle a Happy Tune (Deborah Kerr, dobrada por Marni Nixon) e Rex Thompson; The March of the Siamese Children (20th Century-Fox Orchestra); Hello, Young Lovers (Deborah Kerr, dobrada por Marni Nixon); A Puzzlement (Yul Brynner); Getting to Know You (Deborah Kerr, dobrada por Marni Nixon) e Chorus; We Kiss in a Shadow (Carlos Rivas, dobrado por Reuben Fuentes, e Rita Moreno, dobrada por Leona Gordon); Something (Terry Saunders),; Finale, Act (Yul Brynner e Coros); Entr'acte (20th Century-Fox Orchestra); The Small House of Uncle Thomas (Ballet) (narrado por Rita Moreno, Coros e bailarinos); Song of the??? (Yul Brynner); Shall We Dance? (Deborah Kerr, dobrada por Marni Nixon)) e Yul Brynner; Finale (Something Wonderful) (Coros).

YUL BRYNNER (1920 – 1985)
Juli Borisovitch Bryner, nome de baptismo de Yul Brynner, nasceu a 11 de Julho de 1920, em Vladivostok, na URSS, e viria a falecer a 10 de Outubro de 1985, em Nova Iorque, EUA, com 65 anos. (Algumas fontes indicam que nasceu a 7 de Julho de 1915, na ilha de Sakhaline, na Rússia). Era filho de Boris Bryner, engenheiro suíço, e de Marousia Blagоvidova, filha de um médico russo, judeu. Em 1927, Boris Bryner abandona a família, e Marousia leva os filhos, Yul e Vera, para Harbin, na China, onde frequentam uma escola cristã. Em 1934, vamos, porém, já encontrar a família em Paris, com Yul Brynner a tocar guitarra em clubes nocturnos para ajudar ao sustento da família. Toma contacto com o mundo intelectual, conhece Jean Cocteau, entra para o Théâtre des Mathurins, como aprendiz, trabalha como trapezista no Cirque d’Hiver, até que uma queda lhe provoca fracturas várias e o leva a abandonar o circo, passando a maquinista do grupo de Georges Pitoeff. Em 1941, parte para os EUA para estudar teatro com Michael Tchekhov. Estreia-se na Broadway, com o nome de Youl Bryner. A sua primeira participação no cinema data de 1949, mas logo pouco depois se torna primeira figura na interpretação de “O Rei e Eu”, uma personagem que não mais o irá largar, no teatro, no cinema, na televisão. Esta comédia musical de Richard Rogers e Oscar Hammerstein II sobe à cena na Broadway em 1951, e nela Yul Brynner interpreta a figura do Rei do Sião. Seria depois adaptada ao cinema, a série televisiva e de novo regressaria aos palcos em 1977, nos EUA, e em 1979, em Londres, e, novamente na Broadway, em 1985. Em 1952 recebe o Tony de melhor actor de comédia musical e representa-a 4 525 vezes no teatro. O filme de 1956, dirigido por Walter Lang, permite-lhe ganhar o Oscar de Melhor Actor. Foi um dos nove únicos actores da história do teatro e do cinema que ganhou o Tony e o Oscar pela interpretação da mesma personagem. Para compor esta figura rapou o cabelo, o que depois manteria ao longo da sua vida como imagem de marca e como modelo para a juventude desse tempo, que começou a rapar o cabelo “à Yul Brynner”. Depois de “O Rei e Eu”, a carreira de Yul Brynner conhece grandes sucessos: entre os quais, “Os Dez Mandamentos”, “Anastácia”, “Os Irmãos Karamazov”, “Salomão e a Rainha de Saba”, “Os Sete Magníficos”, “Taras Bulba”, “Convite a um Pistoleiro”, “Morituri”, “Romance de um Ladrão de Cavalos”, “O Mundo do Oeste”, entre muitos mais.
Além de inglês e francês, que falava perfeitamente, ainda dominava de alguma forma mais oito línguas. Possui uma estrela no Walk of Fame, no 6162 Hollywood Boulevard. A casa onde nasceu em Vladivostok foi transformada num museu em sua honra. Casou quatro vezes: Virginia Gilmore (1944-1960), Doris Kleiner (1960-1967), Jacqueline Thion de La Chaume (1967-1981), Kathy Lee (1983-1985). No início dos anos 50 teve um caso passional muito badalado com Marlène Dietrich.
Publicou duas obras de fotografia, uma das suas grandes paixões, e ainda dois outros livros : “Bring forth the children : A journey to the forgotten people of Europe and the Middle East” (1960) e “The Yul Brynner Cookbook : Food Fit for the King and You” (1983), uma obra dedicada à gastronomia.
Em meados da década de 80 foi surpreendido por um cancro nos pulmões, e depois disso dedica-se a algumas campanhas anti-tabagistas. Morre em Nova Iorque, no dia 10 de Outubro de 1985, no mesmo dia em que faleceu Orson Welles, com quem tinha contracenado em “A Batalha de Neretva”. As cinzas foram depositadas no cemitério particular de Touraine, Abbaye Royale Saint-Michel de Bois-Aubry, em Indre-et-Loire.


Filmografia / Como actor (principais filmes): 1944: Mr. Jones and His Neighbors (série de TV); Port of New York (No Porto de Nova Iorque), de László Benedek; 1956: The King and I (O Rei e Eu), de Walter Lang; The Ten Commandments (Os Dez Mandamentos), de Cecil B. DeMille; Anastasia (Anastásia), de Anatole Litvak; 1958: The Brothers Karamazov (Os Irmãos Karamazov), de Richard Brooks; The Buccaneer (O Corsário Lafitte), de Anthony Quinn; The Sound and the Fury (O Grito da Fúria), de Martin Ritt; Solomon and Sheba (Salomão e a Raínha de Saba), de King Vidor; Le Testament d'Orphée (O Testamento de Orfeu), de Jean Cocteau (não creditado); 1960: Once More, with Feeling (Arrebatamento) de Stanley Donen; Surprise Package (A Vida é uma Surpresa) de Stanley Donen; The Magnificent Seven (Os Sete Magníficos) de John Sturges; 1962: Taras Bulba (Taras Bulba), de J. Lee Thompson; 1963: Kings of the Sun (Os Reis do Sol), de J. Lee Thompson; 1964: Invitation to a Gunfighter (Convite a um Pistoleiro), de Richard Wilson; 1965: Morituri (Morituri), de Bernhard Wicki; 1966: Return of the Magnificent Seven (O Regresso dos Sete Magníficos), de Burt Kennedy; Triple Cross (O Maior Espião da História), de Terence Young; 1967: The Double Man (O Duplo Homem), de Franklin J. Schaffner; The Long Duel (Duelo sem Tréguas) de Ken Annakin; 1968: Villa Rides (A Honra de um Herói) de Buzz Kulik; 1969: The Madwoman of Chaillot (A Louca de Chaillot), de Bryan Forbes; 1971: Romance at Horsethief ou Romansa konjokradice (Romance de um Ladrão de Cavalos), de Abraham Polonsky; 1973: The Serpent (A Serpente de Ouro) de Henri Verneuil; Westworld (O Mundo do Oeste) de Michael Crichton; 1975: The Ultimate Warrior (Um Novo Amanhecer) de Robert Clouse; 1976: Futureworld (O Mundo do Futuro), de Richard T. Heffron.

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